segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Vida após Auschwitz




Não é difícil confundirmos o que é de fato com o que é de direito. Explico: o direito tem a ver com o julgamento, julga-se pelas leis delimitadas pelas necessidades em regular uma ordem seja num país, numa cidade, numa instituição, etc... O fato diz respeito ao que as coisas são, não está delimitado por qualquer necessidade de ordem, simplesmente está aí e, portanto, não é passível ao julgamento, quaisquer que seja.

O fato na sua verdade absoluta é inexistente no nosso mundo, daí a importância do dizer do divino que se tornou como um de nós: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, ele sim é a justiça pura, a verdade que se tornou fato no nosso cosmos, neste sentido, a nossa justiça é sempre insuficiente, dependente da lei e também sempre inadequada para todo o juízo emitido.

Um dos exemplos extremos de uma “justiça” extremamente injusta foi toda a situação ocorrida com os judeus durante a segunda guerra mundial. Toda a lei nazista elaborada por Hitler exercitou o seu juízo sobre todo este povo. Desde que as leis contra os judeus passaram a vigorar, estas passaram a ser vistas como normativas - a "justiça" efetiva - e os judeus então se tornaram os seres injustos nesta nova configuração.
Constata-se que os carrascos se imergiam de tal forma nesta nova configuração de forma a assistirem a um jogo de futebol em Auschwitz entre os soldados do SS nos intervalos em que sucediam lavarem os cadáveres nus após terem sido mortos na câmara de gás e, ao retirarem todos os objetos dos corpos, tais como dentes de ouro, levavam-nos para cremarem. Nestes jogos eles torciam, gritavam, como se as atividades que eles exercessem ali fossem um mero emprego qualquer. De acordo com Agamben, tal partida, tal momento de normalidade, é o verdadeiro horror do campo. Ele ainda afirma que o massacre pode ter terminado, mas aquela partida nunca mais terminou.

O não término da partida remete ao estado da normalidade existencial irrefletida do nosso dia-a-dia: vivemos como se a vida consistisse num fluxo do acordar, tomar café, ir ao serviço ou escola, almoçar, nos finais de semana, ir à igreja, descansar a tarde... Preocupamos em viver mais, logo, qualidade de vida significa fazer check up com frequência, cuidando para que não haja excessos de colesterol e triglicérides no sangue. De fato tudo isso faz parte da rotina e cuidar da nossa saúde é importante, o que deveria nos incomodar é se a nossa existência, o ser humano na sua totalidade, se resume nisso: se existe a possibilidade de uma existência plena. Não se faz necessário adquirirmos a capacidade em perceber o que se encontra por detrás do fluxo contínuo e homogêneo da nossa vivência cotidiana?

לִמְנ֣וֹת יָ֭מֵינוּ כֵּ֣ן הוֹדַ֑ע וְ֜נָבִ֗א לְבַ֣ב חָכְמָֽה׃

Salmos 90:12 Ensina-nos a contar os nossos dias, a fim de que venha a compreender no coração a sabedoria.

Daniel Kunihiro

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