quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Afriotimista, eu!

POESIA Afriotimista, eu? E agora, Drummond? O continente sobreviveu, a espiritualidade transbordou, a velha semente renasceu, a alegria de viver venceu, e agora, Mia? e agora, você? As fronteiras se desfazem, nos desassossegos que se escondem em Jesusalém, você que sonha, vive! Entre as contendas da alma, encontro Fanon, esperançar e tédio, inédito-viável e dores no corpo, escrevivências e repetições inaudíveis, lugar de fala e fala no lugar, atravessar eternos Miltons, o cansaço e a resistência, in memoriam: Biko. O que virá? Na doçura de Chiziane, as Áfricas reverberam cores, atravessam florestas e rios, cheios de vida e perigos, das lembranças de Senghor. Com o futuro na mão, pujante e vibrante, não resiste em prosseguir. Prolegômenos, brincar com as palavras, no mar caudaloso das línguas maternas, Ah! Saudades de Pata Pata e Makeba, cantava e não sabia sobre o que cantava! Enfim, herdei o prazer de cantar e dançar, gratidão, herdei o prazer de ouvir e contar histórias, gratidão, herdei o prazer de acolher e repartir, gratidão, a naturalidade em viver e morrer, gratidão, e, singelamente, admirar a beleza dos embondeiros! Sozinho, nunca: família. A marimba, djembé, corá e mbira acalentam a alma, expressam sentimentos radiantes, e projetam aos novos horizontes as aprendizagens dos caminhos percorridos. Autoria Odair Marques da Silva www.africaatual.com.br Publicada na revista “Universidade e Sociedade”, Ano XXXIV, n.74, julho 2024, pág. 176. Notas sobre a poesia O poema foi inspirado na estética de Carlos Drummond de Andrade, em seu poema de título “E agora, José”, publicado originalmente em 1942, e permanece atualíssimo. O afro-otimismo é uma corrente de pensamento, que nasce em África, com uma trajetória milenar e, de certa maneira, se contrapõe às vertentes conceituais do afro-pessimismo. O eixo temático procura mesclar as escrevivências das histórias de vida, percorridas pelo autor, como expõe Conceição Evaristo. Algumas metáforas e enigmas inseridas nas breves frases se mesclam aos romances de Mia Couto, entre estes, Jesusalém. O rompimento de fronteiras geográficas, coloniais, ideológicas, estigmatizantes, usurpadoras, excludentes, e a necessária e urgente aproximação e reconexão com os 54 países do continente africano também percorrem a alma deste poema. Os Miltons é uma homenagem a Milton Nascimento, músico, e Milton Santos, geógrafo, e aos que lutam pela libertação plena do ser humano. Há uma curiosidade em Pata Pala, muito popular no Brasil, e música pop internacional na década de 1970, que significa “toca toca”, na língua Xhosa, no sentido de tocar, aproximar-se. Poucas divulgações expressam que Makeba, sua intérprete, era uma liderança ativista contra o apartheid e pelos direitos humanos. Enfim, família, por um mundo mais justo, fraterno, humano e sustentável.