BRASÍLIA
- Depois de 20 anos de disputa judicial com as operadoras de telefonia, o
inventor mineiro Nélio Nicolai, 72 anos, começa a obter reconhecimento oficial
por seu principal invento: o Bina, aplicativo que permite identificar
previamente as chamadas telefônicas, nos aparelhos fixos e celulares.
Wilson Pedrosa/AE
'Nos EUA me
disseram que, se tivesse nascido lá, seria uma celebridade', diz
NélioNicolai
As
operadoras Claro/Americel e Vivo são as primeiras a se manifestarem: a primeira,
em razão de composição judicial, que extinguiu o processo movido pela Lune
(empresa de Nélio), e a segunda por condenação judicial, determinando a
indenização, o que deverá provocar medidas judiciais similares envolvendo
operadoras que utilizam o Bina, o segundo invento brasileiro efetivamente
universalizado. O primeiro foi o avião, por Santos Dumont.
Somente
no Brasil, o Bina custa mensalmente a cada assinante R$ 10 ou US$ 6. E são 256
milhões de celulares com esse serviço no País, o que produz faturamento mensal
de R$ 2,56 bilhões. Isso apenas no Brasil.
A
decisão da 2.ª Vara Cível de Brasília determina que a Vivo pague em juízo "o
correspondente a 25% do valor cobrado pela ré por conta do serviço de
identificação de chamada para cada usuário e em cada aparelho".
Nélio
é ainda autor de mais quatro inventos incorporados mundialmente à telefonia: o
Salto (sinalização sonora que indica, durante uma ligação, que outra chamada
está na linha), o sistema de Mensagens de Instituições Financeiras para Celular,
que permite o controle de operações bancárias via celular; o Bina-Lo, que
registra chamadas perdidas; e o telefone fixo celular.
Não
há hoje, em todo o planeta, quem fabrique um telefone, celular ou fixo, sem
inserir a maioria desses recursos. Como se trata de invento patenteado, esse
uso, nos termos da Lei de Patentes, em todo o mundo, precisa ser remunerado,
seja como transferência de tecnologia e/ou royalty.
Mas
não foi, embora o Bina tenha conferido ao seu inventor duas comendas
internacionais: um Certificado e uma Medalha de Ouro do World Intellectual
Property Organization (Wipo), reconhecendo e recomendando a sua patente, além de
um selo da série Invenções Brasileiras, concedido pelo Ministério das
Comunicações.
A
conquista ocorre, por ironia, exatamente quando acaba de cessar a vigência (20
anos) da patente de seu invento, em 7 de julho passado. A patente resistiu a
todas as tentativas de anulação que lhe moveram na Justiça as operadoras e
fabricantes multinacionais e os direitos gerados naquele período são agora
irreversíveis.
Ao Estado,
Nélio contou sua epopeia pessoal, sem apoio do Estado brasileiro. A seguir, os
principais trechos da entrevista:
Como
chegou ao acordo?
Graças
a Deus e à minha determinação solitária de não ceder. Lutei praticamente
sozinho. Não foram poucas as pessoas, que, nesse período, diante da indiferença
dos sucessivos governos brasileiros e das ameaças que recebi, me aconselharam a
desistir. Fui até mesmo ridicularizado por advogados, autoridades e jornalistas.
Mas jamais perdi de vista esse direito, que não é só meu, mas do povo
brasileiro, privado dos royalties milionários que os meus inventos proporcionam
às multinacionais que o usam sem pagar.
Os
advogados não acreditavam na causa?
Perdi
a conta de quantos tive. Muitos desistiram diante das dificuldades, deixando de
acreditar na possibilidade de uma vitória. Houve inclusive traições. Tive,
porém, a sorte de encontrar um advogado experiente e competente, o dr. Luís
Felipe Belmonte, que, após constatar a consistência do meu direito, desmontou,
com argúcia e paciência, todas as manobras regimentais dos advogados
oponentes.
Como
e quando surgiu o Bina?
Inventei
a primeira tecnologia Bina em 1977, quando trabalhava na Telebrasília. Fui
inicialmente parabenizado, mas a seguir hostilizado. O Departamento Jurídico da
empresa recusou-se a auxiliar no registro da patente, que providenciei, por
conta própria, em 1980. Acabei demitido em 1984, por insistir na adoção do Bina
e do Salto. Depois que saí, as duas invenções passaram a ser comercializadas por
uma quantia mensal que, em reais, correspondiam respectivamente a R$ 10 e R$
2,90.
Quando
começaram as violações generalizadas?
Inventei
e patenteei a segunda tecnologia Bina em 1992. A Telebrás em 1993 padronizou o
seu uso (Pratica
220-250-713). Procurado por várias empresas, em 1997, optei por
assinar contrato de transferência de tecnologia, em parceria com a Ericsson, à
Intelbras (empresa brasileira e minha maior decepção) e à Telemar, por acreditar
na seriedade aparente dessas empresas. Em 1997, o novo sistema Bina foi
mundialmente implantado, também em telefonia celular, sem respeito à patente. Em
1998, não tive outro recurso senão ir ao Judiciário. Acionei primeiramente a
Americel, em Brasília, em março de 1998. Fui vitorioso em primeira e segunda
instâncias. Em 2002, foi proferida a sentença confirmatória, pelo TJDFT
(Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios).
E
por que não lhe pagaram?
Não
só não pagaram como me fizeram mergulhar num pesadelo judicial: a Intelbras e
todas as multinacionais (fabricantes e empresas operadoras) se uniram para
anular a patente. Cobraram, em 2003, da Ericsson, a venda de uma tecnologia que
não lhe pertencia (os editais das multinacionais especificavam: BINA=
220-250-713). E a Ericsson, mesmo tendo contrato comigo, tentou
sumir com o cadáver, e foi ao Tribunal Federal Justiça, da 2.ª Região, no Rio de
Janeiro, pedir nulidade da patente brasileira. De vítima, passei a réu. O
advogado da Ericsson, que, paradoxalmente, é também presidente da ABPI
(Associação Brasileira Propriedade Intelectual) e integra o Conselho
Antipirataria do Ministério da Justiça, conseguiu "suspender, à revelia" todos
os direitos relativos ao meu próprio invento, até a decisão final da Justiça. Me
vi numa situação surreal: não recebia, nem podia dispor do que me pertence. A
outra parte podia. O dr. Belmonte fez ver o absurdo da situação: ingressou com
um embargo de declaração contra esse parecer, que legitimou o uso do Bina sem
ônus, até que o litígio um dia se resolvesse. Com esse acordo, acredito que tudo
isso irá desmoronar.
Por
que não recorreu ao Conselho Antipirataria, do Ministério da Justiça?
Claro
que recorri, desde 2003, mas nunca fui recebido. E gostaria que alguém me
explicasse, por que nós, portadores de patentes brasileiras, somos tratados
assim. Em todas as vezes que tentei, fui apenas orientado verbalmente a procurar
o Poder Judiciário, enquanto as empresas estrangeiras, que têm toda uma
estrutura de defesa de seus alegados direitos, não.
Por
que não recorreu a instituições internacionais de inventores?
Por
idealismo, quero ser reconhecido no meu País. Mas o reconhecimento começou lá
fora. Em 1998, o U.S. Patent and Trademark Office, escritório federal americano
que registra marcas e patentes, se surpreendeu com a informação de que o Bina e
o Salto haviam sido inventados por mim. Sabe o que me disseram lá? "Alguém deve
estar ganhando muito dinheiro nas suas costas. Aqui, você seria uma celebridade
e bilionário." Nos Estados Unidos, já são 65 milhões de Binas fixos, com o
usuário pagando US$ 4 por mês. O governo tem de defender este patrimônio do povo
brasileiro. Mas acredito que a Justiça começou, enfim, a ser
feita.