quarta-feira, 27 de abril de 2011

Por que Wellington matou na escola?

in Jornal Correio Popular - Campinas, 26/04/2011


(*) Nelson Gervoni



Passados alguns dias da chacina de Realengo, muitas coisas foram ditas, perguntadas e respondidas sobre o infeliz episódio e seu autor. Mas há perguntas que nos remetem a importantes questões educacionais. Por exemplo, por que Wellington Menezes de Oliveira escolheu justamente a escola onde estudou? Por que não preferiu outro lugar com maior aglomeração de pessoas como palco da sua chacina?

É que o rapaz nutria um psicótico desejo de se vingar. Mas se vingar de quem, ou de que, haja vista que matou crianças indefesas que sequer o conheciam? Welington intentava se vingar da escola como instituição, pois foi justamente ali que viu sua dignidade arrasada. Em um de seus vídeos o assino tenta explicar que aquilo que faria “não é exclusivamente pelo que é conhecido como bullying” que teria sofrido, mas se referiu às “pessoas cruéis, covardes, que se aproveitam da bondade, da inocência, da fraqueza de pessoas incapazes de se defenderem”, numa referência embutida aos abusos que sofrera na escola, confirmados mais tarde por alguns ex-colegas.

É claro que se todas as crianças que passassem pelo que Wellington passou e fizessem o que ele fez, estaríamos perdidos! Mas, trata-se aqui de um desajustado mental. E, embora nem todo desajustado reaja tão tragicamente, alguns o fazem, como neste caso. Então, que fazer para que crianças não passem por isso, para que não sejam humilhadas num ambiente onde deveriam ser exaltadas? A pergunta nos remete ao terreno da Educação.

Educadores discutem se a escola deve ou não lidar com a formação moral dos alunos. Boa parte dos educadores acredita que esta é uma tarefa exclusiva da família, argumentando que a escola é impotente diante de questões tão complexas como estas. Não obstante é preciso reconhecer que na escola as possibilidades de desenvolvimento das relações interpessoais são muito maiores que na família. Não se está dizendo que esta seja uma responsabilidade somente da escola, mão não podemos negar que a escola precisa interferir nesta questão. Esta é uma tarefa desafiadora, de responsabilidade da família, conjuntamente com outros importantes setores da sociedade, entre eles a escola.

Precisamos nos convencer que é papel da escola interferir pedagogicamente nas relações interpessoais de seus alunos, contribuindo para a formação de cidadãos autônomos que lidem com suas questões e se relacionem com as demais pessoas de forma ética e moral.

Mas é preciso saber que moral e ética não se transmite através de um conjunto de normas, deveres e obrigações. Tentou-se fazer isso nos anos da ditadura militar, através da disciplina de Educação Moral e Cívica e o resultado foi uma geração de cidadãos heterônomos (cidadania não combina com heteronomia) que, ou se rebela ou se submete unilateralmente, por medo ou coação.

Mas o que fazer na escola para torná-la um ambiente de cooperação e relações éticas e morais?

Primeiramente é preciso lembrar que a escola é um lugar de relações interpessoais e, consequentemente, um lugar de conflitos. Em outras palavras, onde há pessoas se relacionando há conflitos. A partir disso é necessário compreender que os conflitos são excelentes oportunidades para a aprendizagem. Geralmente a forma de reagir aos conflitos são procedimentos coercitivos, quando não se trabalham suas causas, apenas atacam-se as suas conseqüências.

Também é preciso maior cuidado com as regras. As escolas priorizam as regras convencionais em detrimento das regras morais. Por exemplo, uma aluna reclama com a professora que o colega a xingou de piranha e esta lhe diz para não se importar, pois ela não é peixe. Na mesma aula outro aluno é levado para a diretoria porque desobedeceu a norma que proíbe o uso de boné! Aí as crianças entendem que xingar pode, usar boné não. Muitos conflitos ocorrem na escola em resultado da qualidade e da quantidade de regras. As regras precisam ser justificadas e é preciso levar as crianças a conhecer quais são os princípios que as fundamentam.

A escola precisa ser um ambiente sócio-moral-cooperativo, onde as crianças sejam ouvidas e participem da discussão e construção dos processos que lhes dizem respeito. Onde possam expressar seus sentimentos e sejam preparadas para lidar com as questões que envolvem os relacionamentos interpessoais. Assim teremos cidadãos mais autônomos, mais preparados para a vida.



(*) Nelson Gervoni é membro do GEPEM – Grupo de Estudo e Pesquisa em Moralidade, da Faculdade de Educação da Unicamp e Especialista em Relações Interpessoais na Escola.

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