Quarta-feira, 16 de Outubro de
2013 | ISSN 1519-7670 - Ano 17 - nº
768
Por Sergio da Motta e Albuquerque em 15/10/2013 na edição
768
O Facebook não é uma plataforma segura
para o ativismo na web. Muito pelo contrário: a rede é conhecida por sua
insistência em invadir a privacidade alheia e distribuir dados de usuários a
empresas e agentes da lei. Por isso muitos ciberativistas têm recorrido
à Deep Web, a web profunda. Nas
redes sociais brasileiras, agora que os governos estaduais partiram para a ação
dentro delas, já estão presentes menções a uma possível fuga para as profundezas
da web invisível.
A web profunda é composta por todos os
sites não indexados em motores de busca. Ela não é outra rede, faz parte da web,
mas não é visível aos olhos de quem navega em condições convencionais.
A Deep Web é totalmente
criptografada e seus links parecem tudo menos uma ligação a outro site. O Portal
da EBC (28/8) publicou uma boa
explicação sobre o que é e como funciona a web profunda.
Cada vez que um usuário entra na web,
seu provedor de acesso atribui-lhe um número. É o seu IP (“internet protocol”,
protocolo de internet). Esse número funciona como um CEP. Ele mostra sua
localização. O provedor de acesso então procura a equivalência entre o seu
número de IP e o nome do site correspondente que foi solicitado e entrega a
página ao utente. Mas tudo isso é rastreado em detalhes: tudo o que foi indexado
pelos motores de buscas e tem permissão de ser acessado é revelado aos
buscadores da web. Tudo o que não consta nas buscas e não pode ser identificado
por DNS é parte da Deep Web,
explicou o portal.
Liberdade de expressão
e copyright
A web mais profunda não é como muitos
pensam, um ambiente onde prevalece o mal e o crime. É verdade que lá se encontra
tudo de ruim que existe entre os homens. E tudo de bom, também. Universidades,
centros de pesquisa e até mesmo editores de jornais conhecidos trabalham nas
profundezas da web por necessidade de serviço: eles querem conversar entre eles
sem serem monitorados. E têm todo o direito.
Para navegar nas regiões abissais da web
é necessário equipamento (programas) para deixar o internauta “invisível” na
rede. E isso não é possível de forma completa em nenhum nos dois sistemas de
navegação “anônima” disponíveis: o Tor e a Freenet. O Tor é o mais antigo e
também o mais perigoso. Foi criado em 1996 pela Marinha americana e vem sendo
mantido por entidades privadas, doações de usuários e entidades institucionais.
A revista Ars Tehcnica (4/8)
publicou uma reportagem que explica como um usuário criminoso foi localizado e
preso na Irlanda por meio de um dispositivo virtual escrito em java script que foi implantado lá sem que
ninguém notasse.
O Tor é uma rede centralizada, e para
acessá-la o internauta deverá usar um proxy – um servidor intermediário que passa
adiante a outro servidor tudo o que o internauta lhe pede. Mas o fato da rede
ter um centro e aceitar o java script a torna vulnerável. O script é o maior delator de presenças que desejariam estar encobertas na
rede.
A Freenet é uma iniciativa mais
recente e menos perigosa. Mas ainda oferece perigos. Até 2010 o projeto recebeu
colaboração do Laboratório de Pesquisa Naval da Marinha americana. Ninguém sabe
exatamente como se deu e qual foi o conteúdo desta colaboração, por isso todo
cuidado é pouco. O projeto nasceu no ano 2000 da imaginação de Ian Clarke, cientista
irlandês com bacharelado em inteligência artificial, ativista da liberdade de
expressão e inimigo dos direitos de cópia (copyright) nos Estados Unidos. Clarke afirma
em uma página do site do projeto que
a liberdade do fluxo de informações está em franca contradição com os direitos
de copyright:
“Está claro que muito da publicidade da
Freenet está centrada ao redor da questão do direito decopyright, então falarei brevemente sobre
isso. O centro do problema com o copyright é que sua aplicação requer a
monitorização das comunicações, e você não pode garantir a liberdade de
expressão se alguém está a monitorar tudo o que você diz. Isso é importante, a
maioria das pessoas não consegue ver ou abordar este ponto quando debatem a
questão do copyright, então
deixe-me tornar tudo claro: você não pode garantir liberdade de expressão e
aplicar lei de copyright.”
Privacidade
aumentada
O leitor (ou leitora) talvez tenha
notado que eu não traduzi copyright como “direito do autor”. São coisas diferentes: o direito europeu
continental procura defender o autor da obra. A lei norte-americana trata apenas
do direito da reprodução da obra. A tradução aqui tem que ser
literal: copyright significa
direito de cópia. Clarke não contesta o poder legítimo dos autores, mas os
daqueles que imaginam deter os diretos de reprodução de obras e produções
intelectuais.
A Freenet é a rede ideal para ativistas
da web. É uma mistura de rede P2P e computação distribuída, onde os usuários
emprestam largura de banda e um pedaço mínimo de seu disco rígido para acumular
informação relevante, que é imediatamente apagada depois que dados mais
importantes chegam. A rede não tem centro, é horizontal e através dela pode-se
compartilhar arquivos, páginas, música e tudo o que trafega na web rasa e na
profunda também. Sua interface não aceita java
script por padrão e roda dentro do navegador Google
Chrome em modo anônimo. É uma rede contida em si mesma que tem uma filosofia
compatível com o ativismo cibernético e a defesa radical da liberdade de
expressão.
O Departamento de Engenharia Eletrônica
e de Computação da UFRJ tem publicado na web um
estudo muito bom sobre a Freenet e sua arquitetura. De forma simplificada, a
Freenet junta o poder de vários computadores e apresenta-se como uma unidade que
na realidade não existe: são centenas ou milhares de máquinas operando em
conjunto para aumentar o poder de computação. A rede é organizada por nós “que
se consultam para armazenar ou fornecer arquivos de dados”, e cada nó (que nesta
rede pode ser um cliente, um servidor ou usuário) tem privacidade aumentada
porque “possui apenas conhecimento de seus nós vizinhos, para manter a
privacidade”.
Direito à
privacidade
A Freenet é mais segura porque é uma
rede fechada em si mesma e nunca expõe o IP do internauta. Ela é uma rede P2P
com a segurança reforçada. Que pode acessar conteúdos das regiões abissais da
web com muito menos riscos que o Tor. Mesmo assim, ainda há brechas para
invasões na rede. A web, rasa ou funda, é uma rede aberta e a segurança dos
sistemas, servidores e usuários está sempre em questão. Mesmo em suas regiões
mais profundas, onde tudo é criptografado e os internautas só se comunicam com
seus pares dentro de uma rede fechada através de links diretos, não há garantias
de anonimidade completa. Alguém sempre pode infiltrar-se lá dentro e plantar um
identificador oculto que leve informação de volta a olhos
errados.
Existe uma tendência em parte da
imprensa em demonizar projetos como a da Freenet e programas como o Tor. “São
facilitadores de pornografia infantil, terrorismo e crime”, acusam. Não podemos
negar isso nem esquecer o outro lado da moeda: nos dias de hoje governos das
potências hegemônicas (e mesmo alguns pequenos poderes atrevidos, como o Canadá)
rotineiramente espionam seus parceiros, inimigos e pessoas consideradas
suspeitas por elas. Exigem o anonimato para espionar países e pessoas, mas negam
ao cidadão o direito à privacidade de exercer seu direito de comunicar-se com
seus iguais sem a interferência de observadores ocultos. Já passou a hora de
acabarmos com o abuso.
***
Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento
urbano, consultor e tradutor
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