segunda-feira, 4 de julho de 2011

Línguas derivaram de uma raiz na África

Cultura | texto 8684
Estudo diz que as línguas derivaram de uma raiz na África

Um pesquisador que analisou os sons nas línguas faladas por todo o mundo detectou um sinal ancestral que aponta para o sul da África como local onde a linguagem humana moderna se originou.

Nicholas Wade

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2011/04/15/estudo-diz-que-as-linguas-derivaram-de-uma-raiz-na-africa.jhtm

As conclusões se enquadram com as evidências dos fósseis de crânios e de DNA de que os seres humanos modernos se originaram na África. Também deixa implícito, apesar de não provar, que a linguagem moderna se originou apenas uma vez, uma questão de considerável controvérsia entre os linguistas.

A detecção desse sinal ancestral na linguagem é surpreendente. Como as palavras mudam rapidamente, muitos linguistas acham que as línguas não podem ser rastreadas até muito tempo atrás. A árvore das línguas mais antiga reconstruída até o momento, a da família indo-europeia, que inclui o inglês, remonta 9 mil anos no máximo.

Quentin D. Atkinson, um biólogo da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, quebrou esta barreira de tempo, caso sua alegação esteja correta, ao analisar não as palavras, mas os fonemas –as consoantes, vogais e tons que são os elementos mais simples da linguagem. Ele encontrou um padrão simples, mas notável, em aproximadamente 500 línguas: uma região de linguagem usa menos fonemas quanto mais distante aqueles seres humanos primordiais tiveram que viajar da África para alcançá-la.

Algumas das línguas da África que usam cliques possuem mais de 100 fonemas, enquanto a havaiana, próximo do extremo final da rota de migração humana para fora da África, tem apenas 13. O inglês tem 45 fonemas.

Este padrão de diminuição da diversidade com a distância, semelhante à diminuição bem estabelecida da diversidade genética com a distância da África, implica que a origem da linguagem humana moderna está na região do sudoeste da África, diz Atkinson em um artigo publicado na quinta-feira na revista “Science”.

A linguagem tem pelo menos 50 mil anos de idade, a data em que os seres humanos modernos começaram a se dispersar da África, com alguns especialistas dizendo que pode ser há pelo menos 100 mil anos. Atkinson, caso seu trabalho esteja correto, está captando um eco distante de tão longe no tempo.

Os linguistas tendem a desdenhar quaisquer alegações de encontro de traços de linguagem mais antigos do que 10 mil anos, “mas este artigo chega bem perto de me convencer de que este tipo de pesquisa é possível”, disse Martin Haspelmath, um linguista do Instituto Max Planck para Antropologia Evolucionária, em Leipzig, Alemanha.

Atkinson é um dos vários biólogos que começaram a aplicar à linguística histórica os métodos estatísticos sofisticados desenvolvidos para construção das árvores genéticas baseadas em sequências de DNA. Esses esforços foram vistos com suspeita por parte de alguns linguistas. Em 2003, Atkinson e Russell Gray, outro biólogo da Universidade de Auckland, reconstruíram a árvore de línguas indo-europeias com um método de elaboração de árvores de DNA chamado filogenia bayesiana. A árvore indicou que o indo-europeu era muito mais velho do que estimavam os linguistas históricos e portanto favorecia a teoria de que a família das línguas se diversificou com a disseminação da agricultura a cerca de 10 mil anos atrás, não com uma invasão militar por povos da estepe há cerca de 6 mil anos, a ideia defendida pela maioria dos linguistas históricos.

“Nós nos sentimos desconfortáveis com modelos matemáticos que não entendemos, sobrepostos ao modelo filológico que nós entendemos”, disse Brian D. Joseph, um linguista da Universidade Estadual de Ohio, sobre a árvore indo-europeia.

Mas ele acha que os linguistas podem se mostrar mais dispostos a aceitar o novo artigo de Atkinson, porque ele não entra em conflito com nenhuma área estabelecida do estudo linguístico.

“Eu acho que devemos levar isto a sério, apesar de que alguns o descartarão de cara”, disse Joseph.

Outro linguista, Donald Ringe, da Universidade da Pensilvânia, disse que “é cedo demais para dizer se a ideia de Atkinson é correta, mas se for, é um dos artigos mais interessantes em linguística histórica que já vi em uma década”.

A conclusão de Atkinson se encaixa com outras evidências sobre as origens da linguagem. Os bosquímanos do deserto do Kalahari pertencem a um dos primeiros galhos da árvore genética baseada no DNA mitocondrial humano. Suas línguas pertencem a uma família conhecida como khoisan e contêm muitos sons de cliques, que parecem ser uma característica muito antiga da linguagem. E eles vivem no sul da África, o que os cálculos de Atkinson apontam como origem da linguagem. Mas se o khoisan é o mais próximo de alguma forma ancestral de linguagem “não é algo que meu método pode dizer”, disse Atkinson.

O que levou ao se estudo foi uma recente conclusão de que o número de fonemas em uma linguagem está relacionado ao número de pessoas que a falam. Isso lhe deu a ideia de que a diversidade de fonemas aumentaria com o crescimento da população, mas cairia de novo com a divisão de um pequeno grupo e sua migração para longe do grupo original.

Esse processo contínuo de ramificação, que é como os primeiros humanos modernos se expandiram ao redor do mundo, é conhecido por produzir o que os biólogos chamam de efeito fundador em série. Toda vez que grupos menores se afastam, há uma diluição em sua diversidade genética. A redução na diversidade de fonemas com o aumento das distâncias da África, como vista por Atkinson, é paralela à redução na diversidade genética já registrada pelos biólogos.

Para cada tipo de diluição de diversidade ocorrer, o processo de ramificação da população deve ser rápido, ou a diversidade aumentaria de novo. Isso implica que a expansão humana para fora da África foi rápida em cada estágio. A aquisição da linguagem moderna, ou a tecnologia que a possibilitou, pode ter provocado a expansão, disse Atkinson.

“O que é tão notável sobre este trabalho é que ele mostra que a linguagem não muda tão rápido –ela mantém um sinal de sua ancestralidade por mais de dezenas de milhares de anos”, disse Mark Pagel, um biólogo da Universidade de Reading, na Inglaterra, que assessorou Atkinson.

Page vê a linguagem como central para a expansão humana ao redor do globo.

“A linguagem foi nossa arma secreta, e assim que obtivemos a linguagem, nós nos tornamos uma espécie realmente perigosa”, ele disse.

No rastro da expansão humana moderna, as espécies humanas arcaicas, como os Neandertais, foram erradicadas e as grandes espécies de animais, como mostra a evidência fóssil, entraram em extinção em cada continente logo após a chegada dos humanos modernos.

Tradução: George El Khouri Andolfato

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